Sola Scriptura na busca da verdade

terça-feira, 30 de novembro de 2010

A Fé é mérito humano ou dom de Deus?

A verdadeira fé bíblica é algo essencial a salvação do ser humano (Mc. 1.15; Jo. 3.18; At. 20.21 etc). Não é ela que nos salva, somos salvos pela graça de Deus (Ef. 2.8,9). Mas ela é o instrumento pelo qual nós recebemos as promessas de Deus concernente a nossa salvação, confiamos nelas (Hb. 11.8-13) e somos justificados (Rm. 5.1). O Breve Catecismo de Westminster descreve a fé da seguinte maneira:


Fé em Jesus Cristo é uma graça salvadora, pela qual o recebemos e confiamos só nele para a salvação, como ele é nos oferecido no Evangelho[1]


Essa verdade essencial nenhum ramo do protestantismo nega, já que foi esse assunto um dos maiores motivos para reforma protestante do século XVI. Mas há divergências quanto à origem dessa fé. A fé através da qual somos salvos é algo que é obtido e produzido por nós mesmos ou ela é gerada em nós pelo Espírito Santo e nos dada como um dom? Existe um número considerável de opiniões sobre este assunto que vão desde o calvinismo até o arminianismo moderno wesleyano. Nosso objetivo nesta postagem é apresentar e defender a posição calvinista/reformada de maneira simples e objetiva.

Com certeza o texto bíblico mais citado e debatido quando se discute esta questão é Efésios 2.8. O texto diz que: “pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus”. Muitos são rápidos em usar este texto como prova de que a fé não produzida pelo ser humano, mas é algo que Deus nos dá dando ênfase a expressão “dom de Deus”. Mas esse conceito não fica imune de objeções. Diante da clareza do texto alguns acabam se envolvendo em falácias exegéticas para demonstrar que este verso da palavra de Deus não diz o que parece estar tão claro.

A objeção gira em torno da expressão “isto não vem de vós; é dom de Deus”. Alguns comentaristas argumentam que o pronome “isto” no grego é neutro (touto – pronome demonstrativo neutro) e não pode estar se referindo a palavra “fé” da sentença anterior, visto ser esta uma palavra feminina (pistis). Declaram então que o pronome “isto” está se referindo a idéia de salvação pela graça e não propriamente a fé.

Não obstante, existem algumas fraquezas neste argumento que o tornam insustentável. Primeiro porque mesmo que “isto não vem de vós; é dom de Deus” não esteja se referindo diretamente a fé, está se referindo a idéia precedente de salvação pela graça que não exclui a fé. Então o pronome “isto” se refere à idéia de salvação pela graça mediante a fé. Argumentar para a estrutura das palavras gregas não resolve o problema dos arminianos. A segunda fraqueza deste argumento é que seria redundante Paulo usar a expressão “isto não vem de vós; é dom de Deus” somente para se referir somente a salvação pela graça de Deus, pois é claro para nós e principalmente para a população de língua grega que se a salvação é pela “graça” é conseqüentemente um dom.

Em terceiro lugar, o contexto não favorece esta interpretação. Se observarmos o contexto imediato veremos que nada concernente a nossa salvação provém de nós mesmos. Ele (Deus) nos deu vida estando nós mortos em nossos delitos e pecados (v. 1). Deu-nos vida juntamente com Cristo (v. 5). Ressuscitou-nos e nos fez assentar em lugares celestiais em Cristo Jesus (v. 6) e nos formou e criou em Cristo para as boas obras que Ele mesmo preparou de antemão para que andássemos nelas (v. 10). Então pelo que se claramente vê no contexto desta passagem, nada em nossa salvação vem de nós mesmos propriamente. Nós não ressuscitamos a nós mesmos de nossos pecados, não nos assentamos sozinhos nos lugares celestiais e não nos formamos a nós mesmos para as boas obras. Deus é quem faz tudo em nós e por nós, inclusive nos dando a fé.

Um dos equívocos mais sérios cometidos pelos arminianos sobre este tema é pensar que esse é o único versículo que nós nos utilizamos para demonstrar que a fé é um dom de Deus. Existem outros textos e alguns deles ainda mais claros do que esse que nos dão a certeza de que nós não somos os criadores de nossa fé. Atente para Filipenses 1.29: “Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de credes nele” (ARA). A palavra grega que é traduzida por “concedida” é echaristhen que significa “dar como um dom”. O versículo nos diz que aos filipenses foi concedido não só a “fé”, ou seja, o ato de crer, mas também o de sofrer e padecer por Cristo. Ambas as coisas são tratadas como um dom aqui neste versículo.

Já ouvi um arminiano argumentar que se Deus dá a fé a todos os crentes então todos os crentes devem padecer também igualmente por Cristo, tentando dessa forma se evadir da clara conclusão deste texto. Mas a estrutura do versículo não diz isso. Ele nos diz que com referência aos filipenses não só foi concedido o dom da fé, mas também o dom de padecer por Cristo. Isso não quer dizer que todos os crentes que receberam o dom da fé necessariamente tenham que padecer assim como os filipenses padeceram. Sem falar que sem querer essa interpretação admite que pelo menos em relação aos crentes filipenses a fé foi um dom de Deus. Mas se aos filipenses ela concedida, por que aos outros crentes não é? O que torna os filipenses especiais e diferentes? É melhor admitir que a fé é dada a todos os crentes verdadeiros, como o versículo claramente afirma.

Outro versículo importante versículo a ser analisado é Hebreus 12.2: “... Olhando firmemente para o autor e consumador da fé, Jesus...” Neste versículo Jesus é descrito como “autor e consumador” da fé. A palavra grega neste versículo que é traduzida por “autor” é archegon, que quer dizer “criador”, “originador”, etc. Esta palavra aponta para o fato de que cristo é doador da nossa fé, aquele que cria a fé em nós. A palavra para “consumador” é teleiotes que tem o sentido de “aperfeiçoador” daquele que “completa algo”. Então Cristo é aquele que cria a fé em nós e a completa e a consuma.

Por ultimo temos João 6.44 que nos diz: “Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou, não o trouxer...” O contexto desta passagem nos dará alguma luz sobre o significado deste versículo. Este capítulo começa com o registro de um milagre de multiplicação de pães e peixes realizado por Cristo e que alimentou mais de cinco mil pessoas. Em seguida Cristo parte para cafarnaum após ter realizado o milagre de andar sobre as águas do mar da Galiléia. A multidão vai a procura dele e quando o encontram, logo lhes é dito pelo próprio Cristo que eles não estavam lhe seguindo por conta de seus sinais, mas porque se fartaram com o milagre da multiplicação dos peixes (v. 26). Após um breve discurso Cristo é interrogado pela multidão sobre os milagres que tenha realizado e que comprovem sua missão divina (v. 30). A multidão ainda argumenta que Moisés deu pão do céu para o povo comer no deserto querendo dizer assim, que Cristo não havia feito nada para comprovar sua natureza divina (31). Cristo começa sua replica dizendo que Ele mesmo era o verdadeiro pão do céu e que Moisés não deu ao povo esse pão (32,33). No versículo 35 Cristo diz que é o pão da vida e aquele que vem a Ele jamais teria fome e o que cresse Nele jamais teria sede. Fica evidente neste versículo que “vir” é sinônimo de “crer”, pois as palavras “fome” e “sede” são usadas para denotar a necessidade espiritual que o ser humano tem de Cristo. Logo “crer” e “vir” devem ter o mesmo significado.

O versículo 44 afirma que ninguém pode ir a Ele – ou seja, crer nele – se o pai não o levar. Se vir a Cristo é sinônimo de “crer” e é o próprio Deus que leva o pecador a Cristo, deduzimos então que o ato de crer em Cristo é algo dado por Deus. No versículo 65 Cristo diz que ninguém poderá vir a ele se o pai não lhe conceder este ato. Fica claro então por esta simples analise do capítulo seis do evangelho de João que a fé é algo que Deus nos dá e não algo que obtemos por nossa própria vontade ou esforço.

Diante de todas essas evidências bíblicas não podemos ficar questionado sobre a natureza e origem da fé no pecador. A verdadeira fé – não aquela que é apenas um assentimento mental de verdade – é algo concedido por Deus ao pecador e isso vem através da pregação do evangelho (Rm. 10.17). Não há base bíblica para se crer que no contrário.



[1] O Breve Catecismo de Westminster. São Paulo: Cultura Cristã. 2ª Ed., 2009. p. 68

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