Sola Scriptura na busca da verdade

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A centralização do poder na igreja evangélica brasileira


Analisando as práticas de algumas igrejas ditas evangélicas, podemos perceber que existe ainda uma alma católica nas mesmas. Características da igreja romana são bem visíveis quando certas denominações atribuem aos seus ministros funções de mediadores entre Deus e o povo como se fossem sacerdotes ao modelo do Antigo Testamento, promovem o apego a objetos “sagrados”, fazem diferença entre o sagrado e o profano e principalmente quando centralizam o governo geral da igreja a apenas um oficial, a uma única autoridade máxima, assim como faz a Igreja Católica ao seu Papa. É sobre esta característica presente em algumas denominações evangélicas que quero comentar nesta postagem.

Veja como isso é comum em nosso evangelicalismo. A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) tem sua figura central no Bispo Edir Macedo. O mesmo acontece com as igrejas Internacional da Graça de Deus e Mundial do Poder de Deus, com seus respectivos lideres, o Missionário R. R. Soares e o “Apóstolo”[1] Valdemiro Santiago. Na Igreja Apostólica Renascer a regra muda um pouquinho, pois quem está com o controle maior nesta denominação é o casal: o “Apóstolo” Estevam Hernandes e a “Bispa[2]” Sônia Hernandes, mas a centralização de poder continua, pois o governo é apenas de um casal. Nas Assembléias de Deus temos sempre os “pastores presidentes” das igrejas em cada Estado da Federação (p. ex. o Pr. Ailton José Alves é o Pastor Presidente das Assembléias de Deus aqui em Pernambuco) e o pastor presidente geral da CGADB (Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil), que atualmente é o Pr. José Wellington Bezerra da Costa.

Agora, fica a questão entre nós. Essa forma de governo eclesiástico é bíblica? Se fizermos um exame mesmo que superficial do Novo Testamento, veremos que não. Primeiro, porque a Bíblia nos informa que o cabeça da Igreja é Cristo (Ef. 5.23;1.22; 1 Co. 12.27). Ele é o líder supremo da igreja. Segundo, não se encontra no Novo Testamento essa forma de governo. A não ser, que se apele para a argumentação católica de que o Papa é o sucessor de Pedro no governo da igreja, mas acredito que isso, essas igrejas não ousariam fazer.

Thomas Witherow em seu livro A Igreja Apostólica, escrito no século XIX, aborda essa questão dizendo:


Também nenhum poder supremo foi conferido a nenhum oficial da Igreja, embora este se distinguisse por seus dons, seus sofrimentos, ou mesmo seus abundantes esforços pela causa de Cristo... Entre os apóstolos, não parecia que algum deles tinha a preeminência. Pedro é o único para o qual foi reivindicada a supremacia oficial em tempos posteriores; mas ele mesmo nunca reivindicou nenhuma supremacia para si mesmo; ele sempre agiu com os seus companheiros apóstolos como um simples pregador da cruz de Cristo; Pedro nunca é apresentado nas Escrituras reivindicando o oficio eclesiástico para si mesmo, ou como alguém que exercesse algum tipo peculiar de controle sobre os oficiais inferiores na igreja.[3]


Mas adiante ele diz:


Cristo é para a Igreja o mesmo que a cabeça é para o corpo humano; e que, assim como o corpo não pode ter duas cabeças – nem Cristo e o Papa, nem Cristo e um monarca.[4]


Mas se está errado este moderno sistema de governo eclesiástico, como é que a igreja deve ser governada? Embora não tenhamos uma exposição detalhada e sistematizada por parte da Bíblia sobre isso -- e isso acontece concernente a vários assuntos nas escrituras, podemos encontrar passagens no Novo Testamento que podem nos dar diretrizes para o governo da Igreja e nos mostrar (mesmo que de maneira parcial) como era o governo da igreja primitiva. Então, quanto mais nos aproximarmos do modelo de governo eclesiástico primitivo, mais bíblicos seremos e é isso que nos interessa, ou pelo menos deveria nos interessar.

Então, vamos ao trabalho. Cada igreja local era governada por uma pluralidade de presbíteros (At. 14.23; 20.17; Fl. 1.1)[5]não sabemos exatamente o número em cada igreja mas, sabemos que era mais de um, pois a bíblia usa o termo plural (presbyteroi). Eles eram eleitos pelas próprias igrejas locais (At. 14.23). A respeito do fato de serem eleitos, convém que se faça alguns comentários. Os únicos oficiais escolhidos durante o ministério terreno de Cristo foram os apóstolos. Esses foram escolhidos pessoalmente por Cristo. Mas após a ascensão de Cristo, foi necessário encontrar um substituto para Judas, o apóstolo que traiu Jesus (Mt. 26.47-49; At. 1.16) e em seguida suicidou-se (Mt. 27.5; At. 1.18). A escolha foi feita com base em alguns critérios e prerrogativas que o substituo deveria ter (At. 1.21,22) e logo, dois dentre aqueles discípulos foram escolhidos por parte da igreja (At. 1.23). Para decidir qual seria o novo Apóstolo, oraram a Deus e em seguida laçaram sortes que caiu sobre Matias. Veja que, a igreja escolheu os candidatos e a resposta final veio da parte de Deus.

Atos 6.1-7 fala-nos da escolha de sete homens para um determinado exercício, servir as mesas dos cristãos da igreja primitiva (v. 2)[6]. A escolha desses homens seria dirigida mais uma vez por algumas prerrogativas que os mesmos precisavam ter (v. 3). O ponto importante para nossa discussão é que a Igreja, ou seja, “irmãos” (v. 3) é que deveriam fazer essa escolha e não propriamente a liderança. Outro texto elucidativo é Atos 14.23 que nos diz: “E promovendo-lhes, em cada igreja, a Eleição de presbíteros...” (ARA). Os presbíteros deveriam ser ordenados por eleição nas igrejas. E com certeza essa eleição não era feita apenas pelos lideres das igrejas e sim pelos membros, já que estes últimos é que seriam governados.

Mas ainda resta algo a ser abordado. O que se deve fazer quando surge uma questão que não pode ser tratada ou resolvida pela igreja local? A Bíblia nos oferece a resposta. Atos 15 nos diz que na igreja de Antioquia, surgiu um problema referente à relação dos gentios com a lei de Moisés. Alguns crentes judeus diziam que os gentios convertidos deveriam ser circuncidados (v. 1). Paulo e Barnabé discordavam disso. Depois de haver muita discussão (v. 2), o problema foi feito conhecido a igreja de Jerusalém. Paulo e Barnabé foram então para a Igreja de Jerusalém e relataram tudo o que aconteceu (v. 4). Houve então uma reunião entre os apóstolos e os presbíteros que discutiram a situação e chagaram a um parecer comum, guiados pelo Espírito Santo (vv. 6-29). Em seguida é mencionado que, a carta com a decisão dos apóstolos e presbíteros que se reuniram em Jerusalém foi entregue aos irmãos de Antioquia e lida pelos mesmos (vv. 30-31). Disso, podemos aprender que, as decisões de grande importância na igreja não devem ser tomadas por um oficial apenas e sim depois de um concilio com vários pastores e presbíteros (já que não temos mais apóstolos) onde o problema é discutido e avaliado a luz da Bíblia e sob a direção providencial do Espírito Santo.

A Confissão de Fé de Westminter trata dessa questão no capítulo XXXI. Vejamos o que ela diz:


Seção I. – Para que haja melhor governo e maior edificação da Igreja, deverá haver aquelas assembléias comumente denominadas de sínodos e concílios. Em virtude de seu oficio e do poder que Cristo lhes deu para edificação, e não para destruição, pertence aos pastores e aos outros presbíteros das igrejas locais, citar tais assembléias e reunir-se nelas quantas vezes julgarem conveniente para o bem da Igreja.

Seção II – Aos sínodos e concílios compete decidir, ministerialmente, controvérsias quanto a fé e casos de consciência; estabelecer regras e disposições para a melhor ordem do culto publico de Deus e governo de sua Igreja; receber queixas em casos de má administração e autoritativamente saná-las. Seus decretos e determinações, sendo consoantes com a palavra de Deus, devem ser recebidos com reverência e submissão, não só pela harmonia com a palavra, mas também pela autoridade sob a qual são feitos, como sendo uma ordenação de Deus, designada para isso em sua palavra.

Seção III – Todos os sínodos e concílios, desde os tempos apostólicos, quer gerais, quer particulares, podem errar, e muitos e muitos tem errado; portanto, eles não se constituem regra de fé ou prática, mas podem ser usados como coadjuvantes de ambas as coisas.[7]


Aprendemos então, com os dados bíblicos e com uma correta compreensão deles que o governo e autoridade maior na igreja de Cristo não pode se centralizar em apenas um oficial ou a um grupo seleto. Infelizmente muitas igrejas hoje, parecem estar cegas quanto a um fato tão patente nas Escrituras. Mas bom repensarmos nossas práticas e opiniões à luz da palavra de Deus e do bom senso. Não nos deixemos influenciar por uma herança católica que insiste em se manter no evangelho brasileiro e sempre que pudermos façamos conhecidas essa e outras verdades bíblicas, sempre em amor.


[1] Não estou menosprezando aqui a imagem de Valdemiro Santiago, nem de quem quer que seja, com as aspas na palavra Apóstolo. Apenas não acredito que o oficio de Apóstolo esteja em voga hoje, visto ser um ofício temporal e fundamental (Ef.2.20).

[2] Não estou menosprezando aqui, a imagem da Sônia Hernandes com as aspas na palavra Bispa. Apenas acredito que o oficio de Bispos (presbíteros) e pastores biblicamente está destinado aos homens, já que Paulo proíbe que a mulher ensine (pastor) ou exerça autoridade sobre o homem (presbítero) na igreja (1 Tm 2.12,13).

[3] Witherow, Thomas. A Igreja Apostólica; o que significa isto?.São Paulo: Os Puritanos, 2005. p. 59-60

[4] Ibid. p. 61

[5] Convém fazer aqui um esclarecimento. As palavras “presbítero” (gr. Presbyteros) e “bispo” (gr. Episkopos) são usadas no N.T. para se referir ao mesmo oficio. Isso fica bem claro na leitura de Tito 1.5-7 onde Paulo não faz distinção entre Bispos e Presbíteros.

[6] Muitos acreditam que nesta passagem esteja relatada a origem do oficio diaconal, pois o verbo “servir” (diakonein), aparece no versículo 2, muito provavelmente aludindo ao oficio de diácono.

[7] Confissão de Fé de Westminster Comentada por A. A. Hodge, Cap. XXXI e seções I,II e III. São Paulo: Os Puritanos 2ª Ed., 2008. p.501,505.

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